domingo, 13 de fevereiro de 2011

Doce de chila ( ou gila, conforme a região )

Tem muito que se lhe diga, a confecção, quero eu dizer, porque o vegetal em si é o que de mais modesto se pode imaginar. Digamos que é uma espécie de abóbora, menor em tamanho e distinto na cor, com a sua casca verde raiada de branco, insuspeita no aspecto quanto aos prodígios culinários que origina.
Na doçaria conventual é omnipresente, manipulada pelas mãos pacientes das monjas, que, misturando-a com amêndoa e gemas de ovos se suplantaram em delícias tão irresistíveis como hipercalóricas.
A confecção, repito, intimida, não tanto pela complexidade, mas pelo tempo que exige, num tempo em que o tempo é exíguo e por isso precioso.
Mas o resultado compensa e , o que é mais importante, o processo é terapêutico e passo a explicar.
Em tempos li um livrinho que muito me impressionou e que ainda hoje recordo, escrito por uma mexicana ,Laura Esquivel, com  o título " Como água para chocolate". O espaço restrito da acção é uma cozinha, onde são produzidos pratos com ingredientes perfeitamente acessíveis, manipulados de forma exequível, resultando em manjares apetecíveis. O que distingue todo o procedimento é o facto inusitado das emoções, alegrias e tristezas, amores e desamores da protagonista provocarem, influenciarem e mesmo temperarem o processo culinário. É o que se pode chamar um livro fácil, mas deveras apaixonante pela abordagem rara que guia toda a linha narrativa. Aconselho vivamente a sua leitura.
Muito bem, e o doce de chila?
Então é assim, este vegetal que cresce quase como praga, diz quem sabe, exige tratamento de ponta, quase com pinças. Quase, repito, porque um dos seus caprichos consiste em jamais ser tocado por objectos metálicos, a cujo toque responde com uma horrenda cor negra. E é aqui que entra a terapia.
Para quebrar a sua empedernida casca exterior, há que espatifá-la no solo, assim mesmo, com força, descarregando as energias negativas, uma e outra vez, e todas as vezes necessárias para a reduzir a pedaços ( com um suspiro de satisfação).
Só então iniciamos o procedimento culinário que passo a referir:

INGREDIENTES:
Açúcar - 600 g
Chila - 500 g

Parte-se a abóbora como atrás foi referido.
Lavam-se os bocados, retiram-se as pevides e extraem-se rigorosamente todas as "tripas" amarelas, para que o doce não fique com um abominável gosto a peixe. Sempre com os dedinhos, nunca com faca, repito.
Colocam-se, então, os bocados imersos em água e coze numa panela coberta até que a casca quase se separe da polpa.. Escorre-se e deitam-se num tigelão com água fria. Separam-se então da casca, eliminam-se quaisquer pevides que tenham resistido à selecção inicial e divide-se a polpa em fios ( em Espanha, adequadamente, chamam-lhe cabelo de anjo ).
Feito isto, deixam-se de molho em água e sal durante 24 horas. Findo este repouso, passam-se duas vezes por água corrente e repete-se a operação, deixando-a de molho mais 24 horas, mas agora em água sem sal.
48 horas decorridas ( ...o que foi que eu disse sobre o tempo?), escorre-se a mistura e pesa-se.
Então, calcula-se o peso de açúcar de acordo com a proporção enunciada , cobre-se com água e vai ao lume até atingir ponto de espadana. Nessa altura mistura-se a chila escorrida e mexe-se com a colher-de- pau até atingir a consistência desejada, deixando fervilhar a mistura pelo tempo necessário.
Depois de morno guarda-se em frascos.
É delicioso para rechear bolos ou sobremesas folhadas,mas também para ser comido como doce de colher, salpicado com amêndoas fatiadas ligado com gemas de ovos, na proporção de 8 gemas para cada 500g de chila.
Mas será que não se podia adquirir esta iguaria no supermercado, por meia dúzia de euros, em frascos herméticos e assépticos?

Podia, mas não é a mesma coisa (garanto e juro)