- ... não cumprir um dever!
Só agora, muitas crises de culpa vencidas, consigo deixar que esta delinquência me encha de leveza!
Não cumprir e daí retirar recompensa!
Só agora, tola que eu fui!
Mas agora sim! Dou-me ao prazer do incumprimento.
Livro chato é livro arrumado ao fim de 10, 20 páginas!
Gente chata, é gente evitada a qualquer custo!
Normas e regras , se chatas, são regras e normas transgredidas!
Um alívio tal, que só vivido para entender!
Então, há milénios atrás, interiorizei - obrigada mamã, obrigada freiras do meu primeiro colégio - nada de iniciar um trabalho, um projeto, uma tarefa, sem concluir a anterior.
Normas, normas, normas!
Ao invés do prazer esperado, enchia-me de nervoso, uma ansiedade galopante de por ponto final ao infindável, interminável, peçonhento lavor entre mãos. O que a princípio fora deleite rapidamente se transformava em punição de que só me livraria quando dado o último ponto, quando lida a última página, quando trocado o último beijo de despedida.
De repente, não sei quando, não sei como, libertei-me.
Assim! Num estalar de dedos.
Começo sem terminar, abandono o livro a meio, despeço gente chata!
Um alívio!
Uma libertação!
E, o mais importante, sem resquício de culpa!
Sou feliz no meu incumprimento, como Pessoa!-- Perdão, mil vezes perdão pela ousadia da comparação!
...até que me ocorreu a irresistível tentação de um casaquinho para um recém nascido! Por quê? Por nada! Porque me lembrei, porque me apeteceu... razões mais que válidas, razões irrefutáveis! |
É experimentar!
A princípio estranha-se, mas depois, entranha-se!
É uma maluquice super gratificante, deliciosíssima.
Viciante!
Bem basta termos de obedecer a milhões de regas para as quais não somos ouvidos nem achados.
Já Pessoa dizia ...
- LIBERDADE
(Interpretado na voz de João Villaret)Ai que prazer
não cumprir um dever.
Ter um livro para ler
e não o fazer!
Ler é maçada,
estudar é nada.
O sol doira sem literatura.
O rio corre bem ou mal,
sem edição original.
E a brisa, essa, de tão naturalmente matinal
como tem tempo, não tem pressa...
Livros são papéis pintados com tinta.
Estudar é uma coisa em que está indistinta
A distinção entre nada e coisa nenhuma.
Quanto melhor é quando há bruma.
Esperar por D. Sebastião,
Quer venha ou não!
Grande é a poesia, a bondade e as danças...
Mas o melhor do mundo são as crianças,
Flores, música, o luar, e o sol que peca
Só quando, em vez de criar, seca.
E mais do que isto
É Jesus Cristo,
Que não sabia nada de finanças,
Nem consta que tivesse biblioteca...
Fernando Pessoa
E se Pessoa dizia, quem sou eu para o contradizer?
Beijo
Nina